sexta-feira, 28 de maio de 2010

27 de Maio, 31 anos depois...(A verdade inconveniente)


05.06.2008
A história está a ser contada agora com outras histórias… - …que começaram a ser escritas e publicadas
Pela quarta-vez consecutiva voltamos a estar juntos este ano em Luanda em torno de uma (várias) mesa (s) com comes, bebes e muitas conversas.
Foi a quarta-edição do Almoço Evocativo do 27 de Maio.

Trata-se de um projecto que temos vindo a dinamizar desde 2004 numa parceria com o Rui Lopes (Macau) por acreditarmos que este regresso ao passado de uma tragédia faz todo o sentido em nome da preservação da memória, da homenagem e do respeito que os milhares de desaparecidos nos merecem e da celebração da amizade e da solidariedade entre todos nós que conseguimos sair vivos dos diferentes infernos que na época foram plantados um pouco por todo o país.
Apesar de já não nos preocupar muito o que se passou exactamente naquela sexta-feira, continuamos com as mesmas dúvidas metódicas de sempre quanto à natureza da movimentação que depois justificou a gigantesca repressão (caça às bruxas) que se seguiu ao seu fracasso.
As minhas dúvidas estendem-se à fria e lamentável execução dos responsáveis do MPLA e das FAPLA que se encontravam detidos algures no Sambizanga, numa altura (ao meio da tarde) em que já nenhum argumento mais racional poderia explicar tão brutal e gratuito crime.
Em nome de quê?
Da sobrevivência?
Da necessidade de proteger a fuga?
Pelo contrário. Tendo em conta a situação que se vivia naquele momento, a razão dos envolvidos, que na altura já estariam a ser perseguidos, por mais perturbada e desorientada que estivesse, só mesmo num ataque de absoluta demência poderia aconselhar uma tal solução.
Como se sabe e depois do primeiro pronunciamento feito pelo Presidente Agostinho Neto ainda havia possibilidades de recuperação política dos ditos fraccionistas. Foi mesmo neste sentido que Neto dirigiu parte da sua intervenção.
Este ano depois de ter falado com alguém que esteve muito perto daquele trágico desfecho fiquei ainda mais confuso com a verdadeira origem (política) da ordem que terá sido dada para que fosse consumada a tragédia.
É bom que se note que na altura os telemóveis estavam ainda muito longe de ter entrado em circulação.
Em relação à movimentação propriamente dita (se foi ou não uma tentativa de golpe) que marcou a manhã do dia 27 de Maio, devo referir que embora nunca tenha sido militar, sempre tive a ideia que um golpe castrense começa com a saída das tropas dos quartéis com os seus meios ligeiros e pesados em absoluta prontidão combativa para logo de seguida se registar a tomada de alguns dos principais locais estratégicos como portos e aeroportos. Não foi isso que se verificou.
Para quem tinha, logo pela manha, a principal unidade militar da época sob seu controlo, estamos a falar da 9ª Brigada, fica de facto muito difícil entender que não tenha optado por um golpe militar clássico se de facto fosse essa a sua intenção.
Nos últimos tempos também tive a oportunidade de falar com alguém que na época estava na 9ª Brigada e que me garantiu que, caso a sua unidade tivesse saído para a rua, não haveria qualquer possibilidade da mesma vir a ser travada. O seu potencial de fogo era demasiado poderoso para que uma outra unidade qualquer estacionada em Luanda se atrevesse a enfrentá-la.
São estas e muitas outras dúvidas que me têm vindo a acompanhar ao longo destes anos todos.
São dúvidas que, como é evidente, dificilmente serão resolvidas com sentenças produzidas nas colunas dos jornais em função das opções e das inclinações de cada um dos seus signatários, onde eu também me incluo.
Não se trata aqui de rever seja o que for, pois é meu entender que só há revisionismo histórico quando existe uma história sólida feita com base no rigor científico que a disciplina exige, o que é manifestamente impossível quando somos tocados pela paixão política.
O que existe em Angola desde os anos 50 até aos dias são versões da história elaboradas em função das conveniências de cada um dos protagonistas.
Em relação ao 27 de Maio o que se consome actualmente é uma historiografia oficial, a também conhecida história dos vencedores, que a honestidade intelectual deveria aconselhar-nos a saber colocar na respectiva prateleira, que sem ser bem a do esquecimento, também já não está em condições de asfixiar pela via da intimidação (aberta ou velada) as outras parceiras da mesma empreitada.
A história, que por si só já é considerada uma “disciplina fundamentalmente ambígua”, encontra no passado angolano um território onde as areias são demasiado movediças, pelo que não será tão cedo que iremos ter entre nós a história de todas as histórias que andam por aí à solta.
Para já vamos mesmo ter de investir o máximo na recolha da memória viva que todos os dias se perde um bocado com a morte dos protagonistas. É o que está a ser feito com as obras já publicadas e com aquelas que se anunciam para os próximos tempos.
Depois, em função do andar da carruagem, logo se verá.
Continua a estar tudo em aberto!
Wilson Dada (Jornal Angolense)

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